Lá estava o barulho das pantufas de pelinho, roçando-se no chão e o chão roçando-se nelas, foda-se. Passinhos de silêncio, de quem não quer acordar as janelas nem as portas, de medinho. Apostava, nervosa, que ela levava uma chávena de chá na mão adiando o prazer para quando estivesse deitadinha, de perninhas esticadas, apoiadas numa almofada por causa das varizes, pernas azuis. Imaginava-a, ouvindo-a passear pela alcatifa como se de um ácaro se tratasse, desenhava-lhe os dias no seu tecto. Ficava assim, horas sem fim a ouvi-la passear.
Ela era velha, rugosa, cheirava a mofo e a medicamentos. Tinha o cabelo branco e vestia bata. Nem uma visita, e queixava-se, nem um “passou-bem?”, nem um trrim-trrim. Ria-se e ria-se a vizinha de baixo, maldosa, com a mão à frente da boca, esquiva. Era assim, comichosa, remorsenta, juventude velha e velhice morta, que belo par de jarras. E essa tal vizinha de baixo, manienta de atentados, perdia-se no plano maquiavélico, desejosa, de olhos brilhantes e a trincar os lábios, a língua, os dentes, sedenta. Esfregava as mãos, desenho animado.
Foi à papelaria do Senhor Antipático e comprou maços de tabaco, quarenta e setenta, logo. Depois, pediu-lhe papel de carta. Pobre velha, que desabafava com a porteira que desabafava com a inferior vizinha o filho morto e a filha como morta, calada da mãe e da terra natal. Escreveu a carta, sorriso lateral e caneta dourada, e foi pô-la bem no correio. Dizia que gostava muito dela e tinha muitas saudades, como antigamente.