“Iiiiiii” diziam-lhe as rodas da sua cadeirinha nova, recém roubada, como deus manda. Empurrava-a um senhor daqueles que usam pullover e camisa rosa com gravata vermelha, já velhote: pés para a cova, aquele já ia a caminho. E ela lá ia na conversa dele levada enxuta a falar do tempo húmido, dos filhos, da mulher morta e do cãozinho doente, coitadinho: “são vómitos, sabe, menina? Aquilo deve ser uma otite!”. E ela dizia “Mas que consumição”, consumindo-se, assumindo suas as preocupações do velho senhor da camisa rosa e gravata vermelha, vincando as rugas da testa e pondo o dentinho de fora, o lábio de lado. “Então, menina, como é que isto foi acontecer?”, tossia o velhote apontando para a cadeira. “Foi acidente. De carro. Tinha bebido… São os jovens, são os jovens…”.
O homem ficou com lágrimas nos olhos que ela viu, ela viu e viu mesmo. As mãos tremeram, juntas ao metal para fingir que era tudo frio. Era uma subida e o homem não conseguia, custava-lhe, era muito difícil. Mas continuava a empurrar a cadeira, mantendo-se fiel ao oferecido. E empurrou-a até cima, até ao sol, a suar, ofegante. Quando chegaram, depois de se despedir, a menina abriu a boca para falar e disse “Então, não se diz «Obrigado»?”. Levantou-se e foi-se embora.
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